Resumo
A presente resenha pretende oferecer ideias prévias aos leitores sob a luz das considerações de quem a escreve. Sendo assim, é fundamental que esta leitura possibilite a apreciação do filme Mulheres à Cesta, além de estimular outros olhares e promover diferentes correlações em relação aos temas abordados nele.
Cláudia Maria Guedes é graduada, Mestre e Doutora na área de Educação Física, completando dois pós-doutorados e uma livre docência em sua carreira. Historiadora na área do Esporte, possui vasta experiência na Educação Superior e nos ofereceu esta obra como grandioso apreço histórico.
O filme é um documentário inspirado no livro “Mulheres à cesta: a história do basquetebol feminino no Brasil – 1892/1971”, publicado no ano de 2009 que teve seu projeto iniciado em 2015, resultado de um diálogo com a colega Silvia Spolidoro, roteirista do enredo. O documentário possibilita uma discussão acerca do papel da mulher em todas as esferas sociais, com destaque para a área esportiva. Isso é possível de ser percebido através de alguns relatos, com ênfase na narrativa da jogadora Norminha, ao afirmar que: “ser mulher nessa época era ser dona de casa, servir o marido e não tinha um filho não. Tinha 6, 7, 8 filhos”. Neste contexto, para uma mulher ser atleta de basquetebol configurava-se como uma ruptura do paradigma tradicional daquele momento histórico.
O filme, lançado no ano de 2020, apresenta o auge da seleção brasileira de basquetebol feminino do ano de 1971, no qual consagraram-se com a medalha de bronze na competição, conhecida popularmente como Mundial, disputadas no Brasil, mais precisamente no ginásio do Ibirapuera. Cabe lembrar que este local histórico, que é o ginásio do Ibirapuera, vem sendo amplamente requisitado pela especulação imobiliária, desvalorizando esse importante patrimônio cultural da humanidade que inclusive foi rejeitado pelo CONDEPHAAT, conforme votação realizada pelos Conselheiros deste órgão no dia 30 de novembro de 2020. Tal decisão abriu caminhos para a futuras concessões para a privatização do complexo esportivo com indicativos de demolição e construções de novas instalações.
Outro aspecto fortemente destacado no filme é o contexto político, caracterizado pelo período conhecido como Ditadura Militar no país. Um dos pontos relevantes desse contexto é a presença e manutenção da lei, instituída pelo Decreto Nº 3199 de 1941, do Presidente Getúlio Vargas, em que dispunha em seu artigo 54 a seguinte determinação: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. Essa lei foi resultado de uma carta escrita pelo médico José Fuzeira, dirigida ao Presidente da República como sustentação de que as funções fisiológicas da mulher poderiam ser afetadas com a prática esportiva, em especial o futebol, devido a sua popularidade. Essa lei permaneceu vigente até o ano de 1979. Levantar essa temática Política de participação das mulheres nos esportes em discussões nas unidades educacionais oportuniza reflexões para que os educandos possam compreender como a força da lei pode limitar os sujeitos e determinar rumos sociais.
No enlace, o filme junta narrativas das jogadoras da seleção brasileira de basquetebol, mesclando com algumas cenas de jogos da época. Mostra a simplicidade das atletas para adentrar no universo esportivo e as dificuldades com a familiarização de aspectos específicos da modalidade esportiva, como o tamanho da bola, por exemplo.
Com depoimentos descontraídos, as ex-jogadoras contam alguns detalhes que recordam desse período, dentre eles a grande contribuição que as atletas e as delegações internacionais da modalidade tiveram para a inclusão do basquetebol feminino nos jogos olímpicos a partir de 1976. Nesse sentido, o Dr. Victor Matsudo, Diretor científico do CELAFISCS, convidado do documentário, afirma que a comunicação tardia foi um fator que dificultou a organização mundial entre as jogadoras de basquetebol para promover maiores participações em competições, dentre outras reinvindicações. Nessa época, a carta era o meio mais comum para que as jogadoras de diferentes países pudessem se comunicar, mas levava muitos dias para ser entregue e outros tantos para ser respondida.
Na sequência, as entrevistadas relatam que a visibilidade do esporte se iniciou após as conquistas de medalhas, o que oportunizou o interesse dos patrocinadores. Antes disso, dispunham apenas dos recursos próprios e da ajuda de familiares e amigos. Contam ainda sobre as dificuldades enfrentadas nas estadias em hotéis onde permaneciam durante as competições internacionais.
Após a seleção brasileira de futebol masculino consagrar-se campeã da Copa do Mundo de 1970, o público amplia sua participação na apreciação dos esportes de quadra, dentre eles, o basquetebol. O mundial desta modalidade feminina de 1971, ápice desta geração, retratado no documentário, teve as arquibancadas lotadas do ginásio do Ibirapuera na torcida pela seleção.
Os relatos das jogadoras e a exibição das cenas de alguns jogos deste Mundial colocam os expectadores em uma nostálgica torcida, possibilitando pensar na superação das dificuldades que enfrentaram, rompendo fronteiras e abrindo alternativas para novas atletas, aspectos visíveis nas falas das contemporâneas Paula e Hortência, além da expressão da própria Deucy, ao afirmar que: “O basquete feminino ajudou a mulher brasileira a crescer”.
Quanto ao contexto político, algumas jogadoras relataram que foram obrigadas a trabalharem apenas em órgãos públicos, mostrando um grande controle do estado em suas ações econômicas e que resultaram em grandes dificuldades em suas carreiras até nos momentos de suas aposentadorias. O esporte neste período de exceção foi mais uma área controlada pelo regime militar, caracterizado como um instrumento de controle sobre a sociedade como forma de entretenimento e distração da população e por isso, essas jogadoras tiveram uma importante representação para as futuras gerações.
Guedes (2015) relata que teve dificuldades em várias editoras para publicar seu livro, obtendo respostas como: “se fosse masculino a gente publicava, mas feminino não, porque não vende”. Essa consideração nos leva a pensar nas dificuldades que as mulheres ainda encontram no âmbito esportivo, assim como as jogadoras relatam em seus depoimentos sobre as suas experiências nas décadas passadas. Tais temáticas podem contribuir com boas discussões nos cursos de formações de professores e consequentemente, nos projetos escolares, desde a concretização das aulas até uma possível pesquisa entre os escolares com intuito de identificar as participações femininas nos esportes e as possibilidades de transformações por meio dessas modalidades.
O filme Mulheres à cesta possibilita uma reflexão histórica, política e social da participação da mulher no esporte e por isso deve ser apreciado por professores, em especial aqueles que lecionam a disciplina de Educação Física Escolar para desenvolverem essa temática com seus alunos e alunas, com intuito de ampliar os conhecimentos teóricos e práticos das alunas no esporte e estimular a convivência respeitosa com o sexo oposto.
A linguagem cinematográfica deve estar presente na educação, configurando-se como importante forma de ampliação dos conhecimentos de todos os educadores, tanto nas formações continuadas, quanto nas práticas escolares, oferecendo outras alternativas para a ampliação do ensino e aprendizagens de seus alunos. Por isso, a presente resenha propõe a necessidade de desenvolver trabalhos com professores e alunos para valorização do patrimônio cultural oferecidos nos filmes com intuito de criar uma prática cotidiana para uma apreciação propositiva do inúmero acervo audiovisual.
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